terça-feira, 21 de dezembro de 2010

A licença poética do nordestino na mensagem de fim de ano

Suas previsão prum 2011 bem nordestino!

 ÍSobre as suas meta pro Ano Novo
Anote os seus querê e pendure num lugá que ocê enxergue todo dia.

Mesmo que seus objetivo esteje lá prá baixa da égua, vale à pena correr atrás. Num se agonie e nem esmoreça. Peleje!
Se vire num cão chupando manga e mêta o pé na carreira, pois pra gente conseguir o que quer, tem é Zé. Lembre que pra ficar estribado é preciso trabalhá. Num fique só frescano.

 ÍSobre o amor  
Num fique enrolano e arrudiano prá chegar junto de quem ocê gosta. Tome rumo, avie, se avexe! Dê um desconto prá peste daquela cabrita (ou daquele caba) que só bate fofo c’ocê. Aperreia ela ou ele. Vai que dá certo e nasce um bruguelim réi amarelo.
Ocê é um (a) corralinda! Se ocê ainda num tem ninguém, num pegue qualquer marmota. Escolha um (a) corralinda igual a ocê. Num bula no que tá quieto. Num seje avexado, pois de tanto coisá com uma, coisá com outra, ocê acaba mesmo é c’um chapéu de touro.
As cabritas num deve se agoniá. O certo é pastorá inté encontrar alguém pai d'égua. Num deve se atracá c’um caba peba, malamanhado e fulerage. O segredo é pelejá e num desisti nunca. Num peça pinico e deixe quem quisé mangá. Um dia vai aparecer um machoréi da sua bitola.

 ÍSobre o trabalho
Trabalhe, num se mêta a besta. Quem num dá um prego numa barra de sabão num tem veiz num. Se ocê vive fumano numa quenga, puto nas calças e num aguenta mais aquele seu chefe réi fulerage, tenha calma, num adianta se ispritá.
Se ele num lhe notou inté agora é porque num tá nem aí se ocê rala o bucho no trabalho. Procure algo milhor e cape o gato assim que puder.

Se a lida num está como ocê qué, num bote boneco, num se aperreie e nem fique de lundu. Saia c’um aquele magote de amigo pra tomá uns merol.
Tome umas meiota e conte uma ruma de piada que tudo milhora.

 ÍSobre a sua vidinha
Ocê já é um cagado só por está vivo. Pense nisso e agradeça a Deus.
Cuide bem dos bruguelos e da mulé. Dê sempre mais que o sustento, pois eles lhe dão o aconchego no fim da lida.
Num fique resmungano e bateno no quengo por besteira. Seje macho e pense positivo.
Num se avexe, num se aperreie e nem se agonie. Num é nas carreira que se isfola um preá.

 ÍArrumação motivacional

No forró da entrada do ano, coma aquela gororoba inté inchê o bucho. É prá dá sorte, mas cuidado, sinão dá gastura.
Tome um burrim e tire o gosto com passarinha ou panelada que é prá num perdê a mania.
Prá começá o ano dicunforça:
Riflita sobre as besteira do ano passado e rebole no mato os maus pensamento.

Murche as orêia, respire fundo e grite bem alto:

Sai mundiça !!!        

Depois é só levantá a cabeça e disimbestá no rumo da venta que vai dá tudo certo em 2011, afinal de contas ocê é NORDESTINO, caba da peste réi.
E pros que num são da terrinha, mas são doidim prá ser, nosso desejo é que sejam tão felizes quanto nóis. Pense num ano que rái sê muito bom! 
Respeite como rái sê pai d’égua esse 2011!

FILIZ ANO NOVO!

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Tema da semana: Coerência

“Subi a porta e fechei a escada.
Tirei minhas orações e recitei meus sapatos.
Desliguei a cama e deitei-me na luz
Tudo porque ele me deu um beijo de boa noite...”
(Autoria anônima)

Há sentido neste poema? Há coerência? Entende-se o que se quer dizer? O que está por trás da mensagem? Há alguma mensagem?

Embora o texto pareça querer não dizer nada, além da licença poética, à qual o autor tem direito, há, de fato, um sentido revelado por quem o escreve. Mais ainda: se pudermos nos transportar a determinados momentos vividos por nós mesmos, certamente que o compreenderemos em seu sentido amplo. Até, quem sabe, ainda com mais “falta de sentido”, dependendo da nossa imaginação. Na língua, seja falada ou escrita, nem tudo se apresenta de forma explícita, transparente. É a interação com o leitor que vai revelar os sentidos, apontar as coerências. E para entender? Basta se deixar envolver pelas palavras, imaginar-se no texto e apoderar-se dos sentidos. Pensem nisso!

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Dona Comunicação (o cuidado que devemos ter na hora de transmitir uma mensagem)

Otávio, o caixa, por certo nunca ligara para problemas de comunicação. Falava e dizia. Pronto. O interlocutor que entendesse. Ignorava, talvez, que cada universo de ouvintes corresponde a um linguajar específico, um repertório. Palavras como “isótopos” e “fissão” só costumam ser inteligíveis entre os iniciados em Física Nuclear. Expressões como “Malagueta diz que vai apagar o macaco” pode ser corriqueira entre os policiais e malandros, mas para outros mortais carece de tradução (Malagueta diz que vai matar o policial).
Otávio não atentava para isso e se julgava, decerto, possuidor de comunicação universal, acessível a qualquer repertório. Fazia e dizia. Quem ouvisse, que escutasse.
Assim, quando Terezinha lhe apresentou o cheque, ele nem imaginou que a cliente talvez não entendesse o idioma bancário.
– Por favor, moça, seu cheque é nominal a Terezinha Gomide, precisa de endosso.
Terezinha escutou, mas não ouviu.
(Pensando alto): – Nominal? Endosso? Endosso tem sabor de açúcar. Não, não é possível, não tem nada a ver.
– Desculpe seu Otávio, não entendi.
Otávio olha Terezinha com ar de estranheza diante da pergunta da cliente. Levanta seus olhos e diz:
– Simples moça. Coloque sua firma aqui no verso.
Ainda sem ouvir, a cliente espichou-lhe o olhar interrogante.
(Pensando alto): – Verso? Firma? Que diabos. Antes “nominal”. Agora “verso”, “endosso” e também “firma”. Ora, eu não sou sócia de nada! Nem poeta!
Terezinha atônita e envergonhada, achou de perguntar de novamente.
– Perdão, seu Otávio, desculpe estar chateando o senhor. É que eu não sou muito boa para entender as coisas. Será que o senhor pode me explicar de novo?
Otávio, já sem nenhuma paciência resmunga alguma coisa. De repente, deu-se o estalo. Pensou no repertório de Terezinha e tratou de adivinhá-lo. Fácil, pensou. Com sorriso de “psicologice”, foi virando o cheque e apontou com jeito de cúmplice:
– Olhe com atenção, coloque aqui seu nome. Assim como você faz no final da carta que manda pro seu namorado.
Terezinha iluminou-se. Decidida, pegou firme na caneta e lascou no verso do cheque: Com todo amor, um grande beijo, Terezinha.

Vamos refletir: o que queremos comunicar? Com quem estamos nos comunicando? Será que há clareza em nossa comunicação? Quantas “Terezinhas” nós conhecemos, não é verdade? É preciso que estejamos atentos às pessoas, ao contexto. Falemos nós com um senador da república ou com o porteiro do nosso prédio. Há repertórios e repertórios. Falar nem sempre é dizer. Pensem nisso!

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

O Consultor Enquanto Educador Socioconstrutivista

A aprendizagem pode ser considerada como a capacidade de articular os conhecimentos prévios com os novos conhecimentos, resultando na desconstrução e construção de outros conhecimentos, capazes de mobilizar a transformação de conceitos e comportamentos, culminando com uma reflexão interna para a mudança. Nesse sentido, os encaminhamentos didático-metodológicos adequados a essa concepção vão depender da adesão do professor a ela. Chamamos aqui de “professor” o instrutor, o facilitador, e também o consultor (enquanto educador), uma vez o processo de aprendizagem ocorre nos mais variados ambientes.

No que diz respeito às organizações, cabe, de forma especial, ao consultor, em seu papel de educador, transformar este ambiente de aprendizagem em um campo de investigação, uma vez todo aprendizado implica elaboração individual e coletiva, portanto, atividade de quem aprende na interação com o objeto do conhecimento tal como existe, tanto quanto possível, e com o(s) outro(s), porque é nesse processo que ocorrem transformações de percepções, concepções, de crenças e valores.

Numa perspectiva tradicional, o conhecimento é tratado como um conteúdo quase que praticamente de natureza factual e conceitual, que deve ser transmitido a quem aprende. Este aprendiz, por sua vez, é visto como receptor e depositário desse conhecimento. A quem transmite cabe apenas apresentar informações de forma mais acessível, com domínio, dirigindo e avaliando a aprendizagem do(s) seu(s) aprendiz(es). Nesse caso, apenas meras informações são transmitidas. A aprendizagem, se é que ela acontece, se dá por meio da recepção de tais informações, e o seu armazenamento na memória. Esse modelo não privilegia o estímulo do raciocínio, do pensamento ativo, da reflexão e da descoberta por quem “aprende”.

O consultor, enquanto educador, e sempre atento às necessidades, inovações, compartilhamento das informações, e busca por melhorias nos (e dos) ambientes organizacionais, deve considerar o modelo socioconstrutivista, onde o aprendiz é considerado como sujeito mentalmente ativo no processo de aquisição do conhecimento, e os seus próprios conhecimentos prévios devem ser considerados como ponto de partida para novas aprendizagens. Aqui, privilegia-se a reflexão, a discussão, a percepção que ele precisa ter da insuficiência de suas concepções e as necessidades de reestruturá-las cada vez mais próximas do conhecimento desejado. Analisemos, neste instante a figura abaixo.



 Figura 1: Ciclo de aprendizagem na abordagem socioconstrutivista
               
Neste sentido, conforme ilustra a Figura 1, trata-se de uma interação cooperativa entre os aprendizes (os membros das organizações), a partir do seu conhecimento prévio, e o educador (o consultor), com a aplicação do conhecimento que deseja transmitir e, de volta, dos aprendizes, num círculo virtuoso de reforço, devendo sempre o consultor manter-se habilitado, enquanto educador, a exercer o papel de mediador da aprendizagem, numa construção conjunta.

REFERÊNCIAS

CARRETERO, M. Construtivismo e educação. Porto Alegre: Artmed, 1993.

SOUZA, E.P. de. História em quadrinhos: um gênero textual além do ensino de língua portuguesa. Monografia – Especialização. Recife, 2006.

VIGOTSKI, L.S. Pensamento e linguagem. Trad. M. Resende. Lisboa: Antídoto, 1979.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Dica da semana: o uso da palavra através

Institucionalizou-se na língua portuguesa a forma incorreta do uso da palavra “através”. O verdadeiro significado desta palavra é tão somente a passagem de um lado para o outro. Costumeiramente, assumir-se-ia a seguinte frase: “Só através da educação poderemos proporcionar um futuro melhor para nossos filhos”. Na verdade, a frase correta seria: “Só por meio da educação poderemos proporcionar um futuro melhor para nossos filhos”. Dependendo do sentido que se quer dar à frase, se pode substituir a palavra através por mediante, a partir de, por meio de, por intermédio de, com o(a), pelo(a)... Como exemplo de uma frase com o emprego correto da palavra através tem-se: “Com o estádio lotado só consigo enxergar a bola rolando através deste binóculo”. Mas atenção! Não é necessária uma corrida na busca de uma substituição para o pobre “através”. É preciso, apenas, que se tenha o cuidado ao empregá-lo. Não se deve sair por aí dizendo (escrevendo): “_Conheci João Bosco através de Aldir Blanc!”. Vai parecer, no mínimo, que se fez uma radiografia ou, quem sabe, um fenômeno fantasmagórico se deu. Como citei acima, o uso da palavra “institucionalizou-se”, tornou-se comum e não necessita se transformar numa guerra gramatical. O mais importante é buscar sempre a comunicação e fazer com que esta se dê, de fato.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Redação: a velha história de que não se deve usar repetição

Ao dissertarmos, devemos ter alguns cuidados. A repetição é um deles. Mas não exageremos. Não devemos escrever um texto como se fora música de uma nota só, mas os cuidados excessivos podem nos levar a interpretações errôneas. Por exemplo, ao utilizarmos um termo em substituição a outro, para não repeti-lo, poderemos gerar um sentido que não aquele intencionado por nós, o que de fato queríamos dizer, de acordo com contexto. Neste caso, melhor repetir para não errar. Portanto, sigam a dica e tenham cuidado para ficar como nosso amigo do texto abaixo! Até a próxima dica!

As Dez Garrafas de Cachaça:
Eu tinha lá em casa dez garrafas de cachaça, mas minha mulher obrigou-me a jogá-las fora. 
Peguei a primeira garrafa, bebi um copo e joguei o resto na pia. 
Peguei a segunda garrafa, bebi outro copo e joguei o resto na pia. 
Peguei a terceira garrafa, bebi o resto e joguei o copo na pia. 
Peguei a quarta garrafa, bebi na pia e joguei o resto no copo. 
Peguei o quinto copo, joguei a rolha na pia e bebi a garrafa. 
Peguei a sexta pia, bebi a garrafa e joguei o copo no resto. 
A sétima garrafa eu peguei no resto e bebi a pia. 
Peguei no copo, bebi no resto e joguei a pia na oitava garrafa. 
Joguei a nona pia no copo, peguei na garrafa e bebi o resto. 
O décimo copo, eu peguei a garrafa no resto e me joguei na pia.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Para refletir sobre a pertinência de nossas queixas...




A Galinha Reivindicativa[1]

Em certo dia de data incerta, um galo velho e uma galinha nova encontraram-se no fundo do quintal e, entre uma bicada e outra, trocaram impressões sobre como o mundo estava mudando. O galo, porém, fez questão de frisar que sempre vivera bem, tivera muitas galinhas em sua vida sentimental e agora, velho e cansado, esperava calmamente o fim de seus dias.

_ Ainda bem que você está satisfeito _ disse a galinha _ E tem razão de estar, pois é galo. Mas eu, galinha, posso estar satisfeita? Não posso. Todo dia pôr ovos, todo semestre chocar ovos, criar pintos, isso é vida? Mas agora a coisa vai mudar; pode estar certo que vou levar uma vida de galo, livre e feliz. Há já seis meses que não choco e há uma semana que não ponho ovo. A patroa se quiser que arranje outra para esse ofício. Comigo não, violão!

O velho galo ia ponderar filosoficamente que galo é galo e galinha é galinha e que cada ser tem sua função específica na vida, quando a cozinheira, sorrateiramente, passou a mão no pescoço da doidivanas e saiu com ela esperneando, dizendo bem alto: “A patroa tem razão: galinha que não choca nem põe ovo só serve mesmo é pra panela”.

Moral do texto: um trabalho por jornada mantém a faca afastada.


[1] Millôr Fernandes

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Dica do Dia: citação

Citação[i] é a alusão, no texto, de uma informação extraída de outra fonte. Ela poderá ser direta, quando o pesquisador transcrever para o seu texto um parágrafo, uma frase ou mesmo uma expressão na íntegra, usando exatamente as mesmas palavras empregadas pelo autor consultado; ela poderá ser indireta, quando o pesquisador transcrever, com suas palavras, as ideias do autor consultado. Por fim, ela será citação de citação, quando se referir à citação de um texto ao qual o pesquisador teve acesso a partir de outro documento.

Aguardem as dicas sobre como as citações devem se apresentar no texto e na lista de referências. Fiquem atentos!



[i] NBR 10520, de agosto de 2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Dica do Dia: elaborar um texto científico? E agora?

A elaboração de textos científicos exige o uso da norma culta da língua. Ou seja, aquele em que se observam as regras da gramática formal e se emprega o vocabulário comum ao conjunto dos usuários do idioma. Entretanto, isso não significa que a linguagem empregada não possa ser simples. Desde que não haja pobreza de expressão, não é necessário recorrer a uma linguagem rebuscada, muito menos a contorcionismos sintáticos, figuras de linguagem, utilizados em textos literários. Clareza, simplicidade de expressão, vocabulário adequado e uso correto das regras gramaticais: a combinação perfeita para um texto bem elaborado, que deseja alcançar o seu propósito de comunicabilidade. Fiquem atentos!

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Para me conhecer melhor... Eis como me percebo

Não tenho mais os olhos de menina nem corpo adolescente, e a pele translúcida há muito se manchou.

Há rugas onde havia sedas, sou uma estrutura agrandada pelos anos e o peso dos fardos bons ou ruins. (Carreguei muitos com gosto e alguns com rebeldia).

O que te posso dar é mais que tudo o que perdi: dou-te os meus ganhos. A maturidade que consegue rir quando em outros tempos choraria, busca te agradar quando antigamente quereria apenas ser amada.

Posso dar-te muito mais do que beleza e juventude agora: esses dourados anos me ensinaram a amar melhor, com mais paciência e não menos ardor, a entender-te se precisas, a aguardar-te quando vais, a dar-te regaço de amante e colo de amiga, e sobretudo força — que vem do aprendizado.

Isso posso te dar: um mar antigo e confiável cujas marés — mesmo se fogem — retornam, cujas correntes ocultas não levam destroços mas o sonho interminável das sereias.

(Lya Luft)

PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO: UM PROCESSO QUE COMEÇA A PARTIR DE NÓS MESMOS

Se pensarmos nas mudanças que desejamos imprimir em nossas vidas, algumas delas não são implementadas por falta de planejamento estratégico. E por que digo “algumas delas”? Acredito que planejamento estratégico está atrelado também à mudança de valores, entretanto, para que tal mudança ocorra, é necessário ir muito mais além dele. Um mergulho interno deve ser pensado e realizado. Ao reler algumas das publicações de David Hutchen[i], lembrei-me de uma, em especial, que nos remete aos temas centrais que permeiam um planejamento estratégico: aprender, aprender a aprender, construir, promover e partilhar aprendizado. E descobrir-se aprendiz, é claro. Como gosto de conversar com os textos, farei isso com a obra de Hutchens, enquanto dedico algumas linhas a refletir sobre planejamento estratégico.
“Lobos sempre comeram ovelhas. Eles sempre comerão ovelhas. Se você é uma ovelha, já aceita isso como um fato da vida” (p.14). Tal fato é uma verdade. Mas será verdade que tenhamos que aceitar todos os fatos da vida como verdades absolutas e imutáveis? Não. Certamente, não.
[...] Era uma vez um rebanho de ovelhas que vivia em uma linda pastagem verde. Mas a vida do rebanho não era tranquila. Os lobos representavam uma ameaça constante, lançando uma sombra de medo sobre a pastagem. [...] Era difícil conseguir viver nesse ambiente de incertezas. Mesmo assim, ao longo dos anos, o rebanho ia se tornando maior, e maior e maior. As perdas ocasionais, apesar de muito tristes, já eram algo esperado. Foi assim que as coisas sempre aconteceram (p. 18-19).
“Foi assim que as coisas sempre aconteceram”. Muitas vezes ensaiamos mudanças, desejamos reviravoltas em nossas vidas, mas nos deparamos exatamente com essa frase: Por que mudar se as coisas sempre foram como foram? Na obra de Hutchens, o personagem principal tem uma passagem muito curta, porém é a mais importante e relevante para a construção de sentido que ele pretendeu em sua linguagem. Atentemos para Otto, uma ovelha que se recusava a manter-se resignada.
[...] A resignação do rebanho em relação aos lobos causava em Otto um grande desânimo. “_Eu tenho um sonho...” – disse Otto, empoleirado sobre um morro de onde todos os demais podiam ouvi-lo. “_ Eu sonho com o dia em que mais nenhuma ovelha morrerá para tornar-se o café da manhã de um lobo”. “_Isso é um absurdo”! – disse a ovelha Shep. – Você não pode deter os lobos. Lembre-se das sábias palavras de nossos ancestrais: ‘Os lobos virão, assim como o sol nascerá’ (p.22-23).
Resignação é algo muito forte, importante, mas, sobretudo, um termo mal empregado muitas vezes. Resignar-se é, em muitos momentos, desistir da luta, estacionar, estagnar, regredir. Resignar-se, muitas vezes, é ausência de coragem. Coragem para arriscar, para aprender uma nova forma, para mudar. E Otto continua:
[...] “_Enquanto os lobos existirem, nosso número representa apenas uma meia verdade” – disse Otto. “_Dizemos a nós mesmos que somos fortes para não ter de encarar nossas fraquezas”. [...] “_Todos dizemos que os lobos não podem ser detidos. Mas como podemos saber se isso é verdade?” Uma ovelha chamada Caco respondeu: “_Isso é verdade! Até mesmo a cerca que nos rodeia não consegue manter os lobos distantes. No princípio, ela os detia. Mas eles devem ter aprendido a pular por cima dela. Os lobos aprendem muito rapidamente”. “_Então nós precisamos aprender ainda mais rápido!” – disse Otto. “_Precisamos fazer com que a aprendizagem faça parte da vida do rebanho. Nós nos tornaremos um rebanho que aprende” (p. 24-25).
Ora, se os lobos aprendiam, por que as ovelhas também não podiam aprender? Por que nós não podemos aprender? Por que não nos tornarmos organizações que aprendem? Organização aqui se entenda toda e qualquer constituição de um grupo de pessoas: a família, a igreja, a escola, o clube de futebol, a feira livre, as empresas... E por que não começarmos esse processo de aprendizagem a partir de nós mesmos? Como? Planejando, e planejando estrategicamente, e implementando nossas mudanças, internas e externas.
E como iniciar esse processo? É fácil? Não poderia ser. Todo processo de mudança requer, entrega, abertura, experimentação, tentativas, fracassos, recomeços. Não poderia ser fácil. E por que buscar o fácil, se o aprendizado de maior valia está justamente naquilo que nos demanda mais tempo, mais energia, empenho, vontade de alcançar o êxito? Se a mudança inicia em nós, por onde começar? Aos vinte anos é muito cedo? Aos 45 é muito tarde? Creio que não há uma receita pronta, um momento exato, um instante adequado. O momento para começar está exatamente localizado dentro de cada um de nós. O importante é não deixar passar a oportunidade quando esta cintilar diante dos nossos olhos.
E fechado o ciclo (planejamento, implementação, alcance dos resultados...), encerra-se o nosso aprendizado? Cessam as buscas? É chegado o fim? Não haverá nada mais a alcançar? De fato, podemos enxergar tal processo como ciclo, no sentido do “girar”, mas nunca como fechado, encerrado. Imaginemo-lo sempre como um espiral, cuja ponta girará sempre em busca de algo que nunca terá fim em si mesmo, mas, sim, sinalizará a cada instante um novo recomeço, um novo aprendizado a construir, promover, partilhar.
E sobre “Otto”, a ovelhinha de Hutchens? Ele não resistiu aos ataques dos lobos, mas sua recusa à resignação conduziu o rebanho a um processo de reflexão, tornando-o atento, aberto à experimentação, à escuta apreciativa, e, sobretudo, transformando-o num ambiente de aprendizagem.
E preciso que estejamos atentos, que possamos refletir e nos inspirar, enxergando dentro de cada um de nós a capacidade de construir e multiplicar cada vez mais ambientes de aprendizagem, a partir de planejamento estratégico, visão compartilhada, abertura à experimentação, reflexão-na-ação, comprometendo-se com a busca pela melhoria das condições de vida num mundo – o maior e mais complexo de todos os ambientes de aprendizagem – que é de todos nós.





[i] Aprendendo com os lobos: sobrevivendo e prosperando na organização que aprende. Editora Nova Cultural: São Paulo, 1999.

Um pensamento... Pra começar

“Meta a gente busca, caminho a gente acha, desafio a gente enfrenta, saudade a gente mata e sonho a gente realiza”.