quarta-feira, 22 de setembro de 2010

PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO: UM PROCESSO QUE COMEÇA A PARTIR DE NÓS MESMOS

Se pensarmos nas mudanças que desejamos imprimir em nossas vidas, algumas delas não são implementadas por falta de planejamento estratégico. E por que digo “algumas delas”? Acredito que planejamento estratégico está atrelado também à mudança de valores, entretanto, para que tal mudança ocorra, é necessário ir muito mais além dele. Um mergulho interno deve ser pensado e realizado. Ao reler algumas das publicações de David Hutchen[i], lembrei-me de uma, em especial, que nos remete aos temas centrais que permeiam um planejamento estratégico: aprender, aprender a aprender, construir, promover e partilhar aprendizado. E descobrir-se aprendiz, é claro. Como gosto de conversar com os textos, farei isso com a obra de Hutchens, enquanto dedico algumas linhas a refletir sobre planejamento estratégico.
“Lobos sempre comeram ovelhas. Eles sempre comerão ovelhas. Se você é uma ovelha, já aceita isso como um fato da vida” (p.14). Tal fato é uma verdade. Mas será verdade que tenhamos que aceitar todos os fatos da vida como verdades absolutas e imutáveis? Não. Certamente, não.
[...] Era uma vez um rebanho de ovelhas que vivia em uma linda pastagem verde. Mas a vida do rebanho não era tranquila. Os lobos representavam uma ameaça constante, lançando uma sombra de medo sobre a pastagem. [...] Era difícil conseguir viver nesse ambiente de incertezas. Mesmo assim, ao longo dos anos, o rebanho ia se tornando maior, e maior e maior. As perdas ocasionais, apesar de muito tristes, já eram algo esperado. Foi assim que as coisas sempre aconteceram (p. 18-19).
“Foi assim que as coisas sempre aconteceram”. Muitas vezes ensaiamos mudanças, desejamos reviravoltas em nossas vidas, mas nos deparamos exatamente com essa frase: Por que mudar se as coisas sempre foram como foram? Na obra de Hutchens, o personagem principal tem uma passagem muito curta, porém é a mais importante e relevante para a construção de sentido que ele pretendeu em sua linguagem. Atentemos para Otto, uma ovelha que se recusava a manter-se resignada.
[...] A resignação do rebanho em relação aos lobos causava em Otto um grande desânimo. “_Eu tenho um sonho...” – disse Otto, empoleirado sobre um morro de onde todos os demais podiam ouvi-lo. “_ Eu sonho com o dia em que mais nenhuma ovelha morrerá para tornar-se o café da manhã de um lobo”. “_Isso é um absurdo”! – disse a ovelha Shep. – Você não pode deter os lobos. Lembre-se das sábias palavras de nossos ancestrais: ‘Os lobos virão, assim como o sol nascerá’ (p.22-23).
Resignação é algo muito forte, importante, mas, sobretudo, um termo mal empregado muitas vezes. Resignar-se é, em muitos momentos, desistir da luta, estacionar, estagnar, regredir. Resignar-se, muitas vezes, é ausência de coragem. Coragem para arriscar, para aprender uma nova forma, para mudar. E Otto continua:
[...] “_Enquanto os lobos existirem, nosso número representa apenas uma meia verdade” – disse Otto. “_Dizemos a nós mesmos que somos fortes para não ter de encarar nossas fraquezas”. [...] “_Todos dizemos que os lobos não podem ser detidos. Mas como podemos saber se isso é verdade?” Uma ovelha chamada Caco respondeu: “_Isso é verdade! Até mesmo a cerca que nos rodeia não consegue manter os lobos distantes. No princípio, ela os detia. Mas eles devem ter aprendido a pular por cima dela. Os lobos aprendem muito rapidamente”. “_Então nós precisamos aprender ainda mais rápido!” – disse Otto. “_Precisamos fazer com que a aprendizagem faça parte da vida do rebanho. Nós nos tornaremos um rebanho que aprende” (p. 24-25).
Ora, se os lobos aprendiam, por que as ovelhas também não podiam aprender? Por que nós não podemos aprender? Por que não nos tornarmos organizações que aprendem? Organização aqui se entenda toda e qualquer constituição de um grupo de pessoas: a família, a igreja, a escola, o clube de futebol, a feira livre, as empresas... E por que não começarmos esse processo de aprendizagem a partir de nós mesmos? Como? Planejando, e planejando estrategicamente, e implementando nossas mudanças, internas e externas.
E como iniciar esse processo? É fácil? Não poderia ser. Todo processo de mudança requer, entrega, abertura, experimentação, tentativas, fracassos, recomeços. Não poderia ser fácil. E por que buscar o fácil, se o aprendizado de maior valia está justamente naquilo que nos demanda mais tempo, mais energia, empenho, vontade de alcançar o êxito? Se a mudança inicia em nós, por onde começar? Aos vinte anos é muito cedo? Aos 45 é muito tarde? Creio que não há uma receita pronta, um momento exato, um instante adequado. O momento para começar está exatamente localizado dentro de cada um de nós. O importante é não deixar passar a oportunidade quando esta cintilar diante dos nossos olhos.
E fechado o ciclo (planejamento, implementação, alcance dos resultados...), encerra-se o nosso aprendizado? Cessam as buscas? É chegado o fim? Não haverá nada mais a alcançar? De fato, podemos enxergar tal processo como ciclo, no sentido do “girar”, mas nunca como fechado, encerrado. Imaginemo-lo sempre como um espiral, cuja ponta girará sempre em busca de algo que nunca terá fim em si mesmo, mas, sim, sinalizará a cada instante um novo recomeço, um novo aprendizado a construir, promover, partilhar.
E sobre “Otto”, a ovelhinha de Hutchens? Ele não resistiu aos ataques dos lobos, mas sua recusa à resignação conduziu o rebanho a um processo de reflexão, tornando-o atento, aberto à experimentação, à escuta apreciativa, e, sobretudo, transformando-o num ambiente de aprendizagem.
E preciso que estejamos atentos, que possamos refletir e nos inspirar, enxergando dentro de cada um de nós a capacidade de construir e multiplicar cada vez mais ambientes de aprendizagem, a partir de planejamento estratégico, visão compartilhada, abertura à experimentação, reflexão-na-ação, comprometendo-se com a busca pela melhoria das condições de vida num mundo – o maior e mais complexo de todos os ambientes de aprendizagem – que é de todos nós.





[i] Aprendendo com os lobos: sobrevivendo e prosperando na organização que aprende. Editora Nova Cultural: São Paulo, 1999.

Nenhum comentário:

Postar um comentário