quinta-feira, 16 de junho de 2011

Patativa do Assaré x A Polêmica com o Livro Didático do MEC

Vaca Estrela e Boi Fubá
(Patativa do Assaré)



Seu dotô, me licença
pra minha história contá
Hoje eu na terra estranha,
é bem triste o meu pená
Eu já fui muito feliz
vivendo no meu lugá
Eu tinha cavalo bom
e gostava de campeá
E todo dia eu aboiava
na porteira do currá
Eeeeiaaaa, êeee Vaca Estrela, ôoooo Boi Fubá

Eu sou fio do Nordeste,
não nego meu naturá
Mas uma seca medonha
me tangeu de lá prá cá
Lá eu tinha meu gadinho, não é bom nem alembrá
Minha linda Vaca Estrela
e o meu belo Boi Fubá
quando era de tardezinha
Eu começava a aboiá
Eeeeiaaaa, êeee Vaca Estrela, ôooo Boi Fubá

Aquela seca medonha
fez tudo se atrapaiá
Não nasceu capim no campo para o gado sustentá
O sertão esturricô,
fez os açude secá
Morreu minha Vaca Estrela,
se acabou meu Boi Fubá
Perdi tudo quanto eu tinha, nunca mais pude aboiá
Eeeeiaaaa, êeee Vaca Estrela, ôoooo Boi Fubá

Hoje nas terra do sul
Longe do torrão natá
Quando eu vejo em minha frente
Uma boiada passá
As água corre dos oios
Começo logo a chorá
Lembro minha vaca Estrela
E o meu lindo boi Fubá
Com sodade do nordeste
Dá vontade de aboiá
Eeeeiaaaa, êeee Vaca Estrela, ôooo Boi Fubá




Dentre os poemas mais conhecidos de Antônio Gonçalves da Silva, o Patativa do Assaré, está Vaca e Estrela e Boi Fubá, eternizado por Luiz Gonzaga e também por Fagner. Patativa, nascido em Assaré, Ceará, foi compositor, improvisador e poeta. Produziu vasta literatura de cordel. Entretanto não se considerava cordelista. Teve a vida marcada pelo sofrimento e debilidades que não o impediram que se tornasse um premiado artista. Sua obra lhe rendeu vários títulos e prêmios.


Em polêmica recente sobre o livro didático lançado pelo MEC, muitos criticaram os trechos publicados (ex: “Os livro ilustrado mais interessante estão emprestado”), alegando que tal fato levaria ao ensino incorreto da língua ou, muito pior, incentivaria o emprego incorreto da língua portuguesa. A Linguística é muito maior que uma mera discussão não fundamentada. O papel do educador é exatamente mostrar aos alunos que tais formas linguísticas existem, são válidas e legítimas enquanto linguagem informal, devem ser respeitadas em relação ao contexto sociocultural de quem as profere ou escreve, mas que não fazem parte da norma culta, portanto, eles, que se encontram em pleno processo de aprendizagem, devem tomar posse da forma correta de seu uso.

Com uma linguagem simples, Patativa do Assaré foi um dos maiores representantes da cultura popular nordestina, levantando a bandeira do povo marginalizado e oprimido do sertão. Sempre de forma poética e sem “arrodeios” nem “floreios”. A questão que se faz presente aqui não se refere aos erros gramaticais, às formas corretas de uso da língua, mas à mensagem que o autor quis transmitir, tocando fundo o coração do povo nordestino, que muitas vezes abandonava o seu torrão natá em busca de oportunidades e fontes de sobrevivência. O corpo migrava, os sonhos se dividiam, mas o pensá, a sodade, o desejo de vortá sequer cruzavam a estrada.


Fechem os olhos por um instante! Deixem-se embalar pela doçura da melodia e riqueza linguística do poema! Agora, digam-me: resta alguma dúvida sobre que linguagem fala o poeta? Alguma polêmica se faz necessária?