quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Frevo: Parte II

A peleja dos mestres cuja linguagem fazia frever os corações

 

Se dos pés do povo pernambucano surgiam conversas ritmadas, diálogos acrobáticos, prosas saltitantes, da inspiração dos nossos mestres compositores saíram melodias que eternizaram essa linguagem. E a briga foi grande. Cada um que tentasse se comunicar melhor, com alma, com o coração. Cada um que tentasse traduzir melhor a emoção frevida de seu povo.

Getúlio Cavalcanti saltou de lá e perguntou: “Quem conheceu Sebastião, de paletó na mão e aquele seu chapéu”? Luiz Bandeira, não aguentou a distância e cheio de saudade gritou: “Voltei, Recife! Foi a saudade que me trouxe pelo braço. Quero ver novamente Vassoura na rua abafando, tomar umas e outras e cair no passo”? Clídio Nigro e Clóvis Vieira imaginaram que Olinda não poderia ficar de fora. Então soltaram o verbo: “...Olinda, quero cantar, a ti esta canção: teus coqueirais, o teu sol, o teu mar, faz vibrar meu coração de amor, a sonhar, minha Olinda sem igual, salve o teu carnaval!” Marambá e Aníbal Portela preferiram render homenagem às duas cidades fazendo ecoar: “Evoé! Evoé! O carnaval de Pernambuco é gozo, é o suco, graças ao frevo e à Federação”. Os Irmãos Valença não acreditaram, acharam que a alegria daquele povo era sonho e começaram a cantar: ”Eu tive um sonho que durou três dias, foi um sonho lindo, sonho encantador...


Nelson Ferreira não se acostumava com a modernidade, com a ideia de acabar com o corso, com o romantismo dos carnavais de clube, queria o passado de volta. Saiu com essa: “Felinto, Pedro Salgado, Guilherme, Fenelon! Cadê teus blocos famosos? ‘Blocos das Flores’, ‘Andaluzas’, ‘Pirilampos’, ‘Apôis Fum’,  dos carnavais saudosos? Edgar Moraes também relembrava os antigos carnavais: “...Pavão Dourado, Camelo de Ouro e Dedé, os queridos Batutas da Boa Vista, e os Turunas de São José. Príncipes dos Príncipes brilhou, Lira da Noite também ficou, e o Bloco da Saudade assim recorda tudo que passou...


Capiba, então, não deixou por menos. Mostrou que pernambucano é cabra da peste, que não veio neste mundo a passeio. Mandou, na lata, mostrando nossa força e tradição: “... e se aqui estamos cantando essa canção, viemos defender a nossa tradição e dizer bem alto que a injustiça dói: nós somos madeira de lei que o cupim não rói! Luiz Bandeira tentou amenizar a situação, lembrando que tudo tem um dia pra acabar: “Oh! quarta-feira ingrata, chega tão depressa só pra contrariar...”? Mas o mestre João Santiago, que não estava nem aí, queria mais. Assim, largou o verso e deixou o frevo rolar: “Eu quero entrar na folia, meu bem! Você sabe lá o que é isso... Deixa o frevo rolar, eu só quero saber se você vai brincar. Ai, meu bem, sem você não ha carnaval. Vamos cair no passo e a vida gozar”. 


Foi assim, é assim, assim sempre será. Esta é a nossa mais bela e prazerosa forma de comunicação. Alguns mestres se foram, outros vivem entre nós, novos surgem, e todos continuam embalando nossa memória, reescrevendo a nossa história, fazendo pulsar os corações, frever os nossos pés, criando novas formas de expressão, mantendo viva a linguagem do nosso povo, que fala com o corpo, com a alma e o coração.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Frevo: Parte I


A arte pernambucana de se comunicar com os pés



Em 2008, a Estação Primeira de Mangueira cantou: “mandou me chamar, eu vou, pra Recife festejar. Alegria no olhar eu vejo: é frevo, é frevo, é frevo”. E a terra do samba freveu com o nosso passo na avenida.

 

Frevar, frever, frevura, ferver: a pura efervescência do pernambucano quando ouve o seu ritmo maior. É assim que ele se comunica e se sabe entendido. Nos dias de folia, é com essa linguagem simples que o nosso povo fala para o mundo e ferve, promovendo o rebuliço, a reunião da massa, no vai e vem do movimento das sombrinhas pelas ruas e ladeiras do Estado.

 

É um tipo de comunicação que não exige fala, não evoca a norma culta, não suplica pela gramática. Nem exige coerência. Não pede coesão. Coordenação, talvez, para os mais exibidos... De um modo geral, fala-se com os pés, saltitantes, que parecem se desvencilhar da fervura que sai do chão. O ritmo, nascido da união entre músicas e danças, recebeu o nome de Frevo após sua primeira publicação em um jornal vespertino, em 09 de fevereiro de 1907. O jornalista usou de sua habilidade para escrever o que os pés da multidão já comunicavam pelas ruas da cidade. Aprimorando o seu conversar com os pés, o pernambucano, então, evoluiu: para vibrar, rodopiar, saltar em meio à multidão, criou o frevo de rua; para aplacar a efervescência dos seus passos, criou o frevo-canção; e para falar ao coração, criou o frevo de bloco.

 

Se os cantadores de emboladas nos falam com o improviso dos seus versos, o passista (bailarino) ginga, usa uns passos miúdos, outros complicados, uma dobradiça aqui, uma capoeira ali, uma mola, uma tesoura acolá... E assim, convida o povo a conversar, dançando, pulando, gingando, frevando, frevendo, levando a alma a compreender exatamente o corpo deseja expressar.